Doutor Lahyre nasceu em 18 de setembro de 1910, é único filho homem do médico Jerônimo Rosado Filho e da professora Ilnah Sousa Mello Rosado. Seu pai era o primogênito de Jerônimo Rosado - seu Rosado - por quem foi criado após perder o pai prematuramente. Então, viveu em meio aos tios Dix-sept, Dix-huit, Vingt, Vingt-un, num tempo em que Mossoró era uma cidade pequena, pacata, carente de tudo: “Água, nem se fala, as ancoretas, as pipas... Seus problemas se resumiam a água e energia. Se tivesse isso, tudo estaria resolvido”, resume. A Mossoró de hoje, ele lembra que desde criança ouve dizer que é a cidade que mais cresce no Nordeste: “Hoje eu digo, só faltava água e energia, aí disparou. Agora vem Medicina, já tem Agricultura - Esam - já tem a universidade – Uern. Pois é, Mossoró vai ser uma cidade grande. E pode ser até uma grande cidade, quem sabe? Depende dessa velocidade que ela vai. Tem também a Petrobrás...”, completa ele que morou uns tempos em Macau e outros em Catolé do Rocha: “Que eu me lembre, só”, ri. Esqueceu Natal.
Calmo, culto,
inteligente, fino, de educação polida, poliglota, vernáculo e bem humorado,
doutor Lahyre conta que estudou farmácia “Pelas contingências do tempo”,
na Faculdade de Farmácia do Recife, na década de 1930. Formou os três filhos
homens médicos longe de Mossoró e, talvez por isso, ao iniciar o nosso papo ele
foi logo soltando: “Mossoró vai ter faculdade de Medicina”. Faz uma pausa e
depois completa: “Dona Sandra que puxou o cordão”, diz se referindo a nora,
deputada estadual, Sandra Rosado, autora do projeto de lei que cria a Faculdade
de Medicina de Mossoró, casada com seu filho mais conhecido, o deputado
federal, doutor Laíre Rosado Filho.
Doutor Lahyre
sente-se satisfeito com os netos que concluíram curso superior e dos que estão
cursando. O semblante muda. Um riso alegre de quem tem a certeza do dever
cumprido. Lembra que formou todos os filhos com a ajuda de dona Francisca: “Se
não fosse ela...”, diz pensativo. “Sozinho eu não podia”, reconhece. “Mas
minha filha com muita garra se formou e também os seus três filhos”, gaba-se.
Ilná garante que o pai sempre esteve presente na educação dos filhos: “Embora
mais a cargo de minha mãe, ele aconselhava sobre a vida, mas nunca impunha sua
opinião. Durante o ano letivo se interessava pelos assuntos escolares dos
filhos e estava sempre pronto a nos ajudar. Juntava durante o ano inteiro
amostras grátis de remédios para distribuir nas férias em Tibau com pessoas
carentes que faziam romaria para se receitar com ele”, lembra a única
filha mulher.
Depois de trinta e oito anos residindo em Natal, doutor Lahyre explica o
retorno: “Voltei agora por uma emergência. Não tenho mais amigos aqui. Já se
foram. A maior parte dos conhecidos e amigos já ‘viajou’. Então, tem a
família”, comemora. Diz que é um homem de poucos amigos: “Não era cheio
de muitas amizades, não! Era meio cético, meio esquisito, mas tinha alguns
amigos. Agora tem uma coisa na minha vida que acho muito importante. Nunca
briguei com ninguém. Nem nunca ninguém se atreveu a brigar comigo. É uma coisa
boa, limpa”, regozija-se.
Sabe que a rua onde morou durante muito tempo, a Bezerra Mendes, em frente ao
Mercado Municipal, não tem mais casa: “Chamava-se Rua das Flores. Os vizinhos
iam para a calçada conversar. Depois tudo virou comércio. Acabou-se”, reclama.
Lamenta também as
tragédias da família: perdeu o pai aos treze anos de idade; a mãe, aos
dezessete; o sobrinho Carlos Augusto, falecido ainda criança, desidratado: “Tão
gordinho, apliquei muita injeção na barriguinha dele. Mas não adiantava nada”,
recorda. O acidente aéreo que ceifou a vida do tio e amigo de infância, o então
Governador Dix-sept Rosado foi traumático para ele, pois eram bastante unidos.
Um acidente automobilístico encerrou a vida do filho caçula Lairson, com quase
trinta anos de idade; e mais recentemente o neto, Vingt Neto, com pouco mais de
vinte anos.
Quando terminou a
faculdade doutor Lahyre veio direto para a farmácia do tio Duodécimo Rosado,
localizada à Rua Coronel Vicente Sabóia, onde atuou por trinta anos e guarda
boas recordações desse tempo: “Eu era muito ocupado e nesse tempo a farmácia
não tinha feriado. Abria até no dia de Santa Luzia. A procissão passava em
frente a farmácia, o comércio todo fechado e a farmácia aberta. Quando a
procissão apontava na rua o pessoal dizia: ‘Feche a porta!’. Quando passava
diziam: ‘Abra a porta!’. Ela ficava aberta até às 21 horas. Meu tio
queria assim, né?” , graceja.
Nesse tempo Mossoró
não tinha hospital, ambulatório, nada disso: “Tudo era resolvido na farmácia
com medicamentos de manipulação. Só havia um médico em Mossoró, Almeida
Castro”, conta. A doença mais comum era desinteria - diarréia - em criança.
Depois surgiu a tuberculose, mas logo apareceu a cura: “A tuberculose era uma
doença horrorosa. O doente sabia que a doença era grave, mas enquanto tomava a
medicação, tinha uma esperança, pensava que seria curado, ficava mais alegre.
Mas não tinha jeito”, lamenta.
Hoje ele ri da Aids. Porque
é uma doença que não tem sintoma: “De vez em quando ouço: ‘Fulano é portador do
vírus da Aids’. Eu pergunto: quais são os sintomas desse negócio? Eu não
sei. Não sei se os médicos têm uma idéia do que a Aids faz na gente. Porque
ninguém sabe o que é. Eu estava conversando com meu filho Laete e falei que um
dia poderia aparecer um remédio para curar o câncer. Ele disse: ‘Aí aparece
outra doença pior’. Essa Aids tem muita propaganda alertando. Tem durado muito.
Parece que é um enfraquecimento no organismo. Agora, de onde veio, não sei”,
comenta.
Avesso a política conta:
“Uma vez me empurraram e fui eleito vereador”, foi na década de 1930, durante
um golpe de estado com Getúlio Vargas. Mas o mandato foi cortado na
metade. Não quis retornar depois. Conheceu Getúlio Vargas quando este veio
a Mossoró com seu guarda-costas, Gregório. Hospedaram-se na casa onde hoje
reside a viúva do seu tio Dix-neuf. Esteve com Juscelino Kubitscheck e João
Goulart num banquete oferecido na ACDP: “Depois teve o doido do Jânio Quadros,
com aquele olhar vesgo”, que em campanha eleitoral, participou de um
comício numa noite chuvosa na cidade.
Uma neta, Larissa, filha
de Sandra e Laíre, acaba de ser eleita deputada estadual e ele comenta
satisfeito: “A mãe dela é deputada agora noutro degrau. Doutor Laíre deixou.
Daqui uns dias termina o mandato e estará desligado completamente”, acredita,
sem saber dos planos do filho.
Sobre o presidente eleito
Lula: “É um sujeito muito voluntarioso, persistente e preparado, também. É um
camarada que tentou uma, duas, três e aí me lembro daquele ditado ‘água mole em
pedra dura tanto bate até que fura’. Taí, Lula. Tem muita coisa esquisita. Ele
não tem faculdade, mas dizem que tem certo preparo. Vai ficar muita gente
desempregada... E vai empregar muita gente que está desempregada”,
adverte.
Com problemas de
osteoporose e na visão, doutor Lahyre não vê mais televisão, diz que enxerga
pouco: “Tenho duas cataratas do Niágara”, brinca. “E a vista cada vez vai
fechando. Eu peço a Deus que dê para eu enxergar ao menos dentro de casa até
morrer. Não me aperreio, não! Se meu destino é esse... Ninguém sabe como
vai morrer ou se fica sabendo de antemão”, brinca. Lembra que viu
entrevista de um geriatra na televisão dizendo que a média dos antigos romanos
era de vinte anos de idade: “Tão pouquinho, não dá nem para tomar gosto. Aí
perguntaram: ‘Com que idade o senhor acha que começamos a envelhecer?’ Ele
respondeu: ‘Depois dos trinta estamos deixando a vida’. Eu aperreei meus
netos dizendo: ‘Vocês já estão descendo’, diz soltando uma boa risada.
“Já estão descendo a escada. Ah! Ah! Ah!”, continua.
Ele fala também sobre clonagem humana: “Mas já estão fazendo até gente”, solta
uma grande risada e depois fica sério: “Ah! Meu Deus, eu não sei como ficou a
história daquele italiano que fez uma ovelha, não sei o quê”, esquece.
Informado que nesses dias foi anunciado o nascimento do primeiro bebê clonado:
“Mas não come, não bebe. Não vai, não! Isso aí, não dá para fazer, não! Já
achei muita coisa quando fizeram nascer de proveta. Junta o germe masculino, o
feminino, bota na proveta, quando dá-se fé: a fecundação. Pega o
óvulo e implanta de novo na mulher. O útero toma conta. Até aí vai. Tá bom!
Está compreensivo. Mas esse negócio aí... Tanta peça que a gente tem,
tanta coisa... não dá!”, comenta negando aceitar.
Longe das notícias no mundo
diz que de rádio ele gostava de ouvir música e notícias: “Mas não boto mais,
não! Botei muito, li muito. Por toda vida. Ah! Ah! Ah! O rádio não tem imagem,
mas tem mais notícia do que a própria televisão, não é? Mas me desinteressei”.
Informado que na emissora de rádio de seu filho Laíre, a FM 93, tem um programa
político diariamente, que conta com a participação do filho e do neto, o
jornalista Cid Augusto, ele gosta da informação e diz: “Não escutei nenhuma
vez. Eu podia me acostumar a ouvir rádio de novo. Tem mais notícia. Não se vê
imagem, mas tem muito mais notícias. Cid tem a vocação do bisavô materno dele,
Jeremias da Escóssia, fundador de O Mossoroense, juntamente com meu bisavô
materno, Alfredo de Sousa Mello, que era
português.
Leitor voraz, diz que lia tudo,
romance, policial e cita autores franceses: “Gostava demais de ler, viu? Uma
leitura variada. Meu pai gostava muito também. Não fui empurrado para gostar,
não! O que essa cabeça aqui já leu...”, fica pensativo: “Meus olhos já podem
pedir licença”, se entrega.
Além de farmacêutico, doutor Lahyre também trabalhou como
inspetor escolar federal durante trinta e cinco anos. Ainda guarda de
recordação o título da nomeação. A partir de 1938 trabalhou no Ginásio Sagrado
Coração de Maria, o famoso colégio das irmãs, quando ali funcionava somente o
primário. Desse tempo uma ex-aluna, hoje setentona, tem boas recordações do
rapaz educadíssimo, que só andava de paletó, gravata e um sapato que parecia de
borracha, pois entrava na sala de aula sem ninguém perceber: “Ele não
perturbava ninguém, era o rapaz mais bonito da cidade e as
alunas avançadas faziam comentários do tipo: ‘Esse homem é bonito
demais. Quem dera poder dar um cheiro nele. Não tem namorada, né? Com
quem será que ele vai se casar? Feliz a moça que se casar com um rapaz desses,
pois tão fino e bonito...”, recorda.
Doutor Lahyre acha graça
porque Tibau se emancipou e hoje é cidade: “Tibau era um morro. Comecei a
frequentar desde menino. Tibau eram umas casinhas de palha. E na beira da praia
era bem movimentada, tinha uns trapiches para estender as redes. Eu puxei
muita rede...”, lembra. O velho Rosado uma vez mandou até vaca para lá.
Era muito complicado chegar ali, mas hoje tem todo um conforto”, encerrou o
papo rindo porque nunca deu uma entrevista, essa foi a primeira da sua vida.
Uma vez a filha Ilná, o
entrevistou sobre Lampião em Mossoró. A entrevista foi publicada no O
Mossoroense e depois na Coleção Mossoroense, em livreto, onde doutor Lahyre
relata que cuidou da mãe doente, inclusive ficando com ela no sítio, munido de
espingarda, quando o bando de Lampião entrou em Mossoró.
* Lahyre Rosado faleceu em Mossoró no dia 22 de agosto de 2003.
FONTE – BLOG
DE LÚCIA ROCHA